quarta-feira, 2 de maio de 2007

FARRAPO HUMANO

Farrapo humano (The lost weekend, 1945)
Dirigido por Billy Wilder
Por Flávio Brun

O cinema é uma forma de expressão das mais eficientes, podendo passar uma mensagem a milhares de pessoas e entreter ao mesmo tempo. Atualmente, temos a televisão e a internet, porém em 1945, ano de produção de "Farrapo humano", as principais formas de comunicação eram o rádio e o cinema. "Farrapo humano" foi um dos filmes pioneiros na área de crítica social embutida no contexto da história, e com isso garante seu lugar na história da sétima arte.

Mais um título vítima de má tradução por parte da distribuidora nas terras tupiniquins, o título original (O fim de semana perdido) se refere ao fim de semana em que a história se passa. Don Birman é um escritor que passa por uma crise de criatividade e o fato de ser um alcóolatra compulsivo não ajuda em nada a situação. Seu irmão, Wick, planeja um fim de semana para os dois no campo, a fim de afastar Don da bebida. Porém, ao ficar sozinho por algumas horas, Don sai de seu apartamento e bebe até perder a hora de sua viagem. Ele, então, fica pela cidade tentando arranjar alguma maneira de poder beber mais e mais. Durante algumas de suas bebedeira conhecemos um pouco de sua história, à medida que ele vai contando-a ao garçom ou algum conhecido no bar. Seria impossível não mencionar sua namorada Helen, uma moça rica absolutamente apaixonada pelo escritor, que não desiste dele mesmo sabendo de seus problemas com a garrafa.

Apesar de comum nos dias de hoje, antes de "Farrapo humano" eram incomuns os filmes que tentavam fazer alguma forma de crítica à sociedade de maneira explícita. Esta foi uma obra inovadora nesse aspecto. O diretor e roteirista Billy Wilder possuia o dom de apresentar filmes com temas polêmicos - a frieza do cinema com estrelas mais antigas em "Crepúsculo dos deuses" ou a idéia de adultério em "O pecado mora ao lado" - e aqui ele põe na tela um problema que aflige grande parte das famílias: o alcoolismo. Tratar de assuntos polêmicos de forma explícita pode tornar o filme condescendente demais com as vítimas dos problemas abordados ou parecer tentar empurrar uma mensagem goela abaixo de quem assiste, e esse é o pior problema de filmes como "A luz é para todos" e "No calor da noite", obviamente inspirados em "Farrapo humano". O único problema claramente visível com "Farrapo humano" está no personagem de Don, que na maior parte das vezes se enche de auto-piedade, discordando de todos que dizem existir uma saída para ele.

Além das inovações na história e roteiro de cunho social, este filme também apresentou novidades na área técnica que, apesar de pequenas, passaram a ser usadas largamente nos anos posteriores. Uma das mais notáveis foi o estilo de filmar um personagem caminhando em direção à câmera, enquanto marquises e sinais de neon passam por trás dele. Além disso, "Farrapo humano" também foi o primeiro filme a usar o teremin na composição da trilha sonora. O teremin é um instrumento musical responsável pela criação de um som muito utilizado em filmes de alienígenas, porém utilizado em Farrapo Humano para salientar a sensação de embriaguez de Don.

Baseado no livro homônimo de Charles R. Jackson, o filme não é fiel a obra literária. No livro, o personagem de Don bebia devido a conflitos internos relacionados à sua orientação sexual, porém o tema não foi explorado por anos e era sempre eliminado nas adaptações para cinema (um exemplo é "Gata em teto de zinco quente", que removeu o homossexualismo de sua história). Mesmo com seu potencial podado por medo da reação do público ao tema, "Farrapo humano" ainda assim continua uma obra eficiente, como exemplo de inovação na arte de fazer cinema. Uma das obras mais conhecidas da literatura moderna, "O iluminado", é claramente uma versão de terror desse filme. Inclua um hotel com fantasmas e Don facilmente se torna o personagem Jack do livro de Stephen King.

Talvez um pouco exagerado em alguns momentos, esse é um filme que vale ser visto por diversas razões, seja para ver como a bebida pode arruinar uma vida ou o modo como o cinema pode cumprir uma função social de forma convincente. Em "Farrapo Humano", Billy Wilder novamente toca nas feridas do público e abre novos horizontes na indústria cinematográfica.

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