domingo, 23 de dezembro de 2007

ROCKY HORROR PICTURE SHOW

Rocky Horror Picture Show (The Rocky Horror Picture Show, 1975)
Dirigido por Jim Sharman
Por Flávio Brun

Qual é a primeira impressão que uma pessoa em sã consciência teria ao ouvir falar de um filme cujos personagens vêm de um planeta chamado Transexual na galáxia chamada Transilvânia? Provavelmente bizarro é a melhor palavra pra descrever o filme, e ele realmente é muito, mas muito bizarro mesmo. E igualmente divertido.

Quando começa o filme, há uma boca sem corpo cantando sobre ficção científica e sessões duplas de cinema. Essa é a primeira homenagem aos filmes trash de terror e ficção científica dos anos 50, em que era comum pagar a entrada e assistir dois filmes, normalmente um de baixo orçamento seguido da atração principal. Para quem é fã do gênero, apenas essa música de abertura já fornece uma boa lista de filmes a se assistir. É divertido ficar ouvindo e pensando "ah, eu já vi isso!", por mais absurdo que "isso" se refira. Eu fui um dos que saíram à busca dos clássicos mencionados - e recomendo pelo menos dois deles: "O dia em que a terra parou" (na canção diz "Michael Rennie estava doente no dia em que a terra parou") e "Planeta proibido" ("Anne Francis estrela em 'Planeta proibido', ô ô ô ôooou").

Logo após a canção de abertura e créditos, o filme começa de forma bastante inocente, com Brad Majors (Barry Bostwick) e Janet Weiss (Susan Sarandon) apaixonados cantando sobre seus planos, após a cerimônia de casamento de um casal de colegas deles. Após se tornarem noivos, eles decidem ir visitar seu ex-professor e amigo Dr. Everett Von Scott (Jonathan Adams), porém se perdem na estrada e vão parar em um castelo com aparência estranha e habitantes mais estranhos ainda. No castelo está havendo uma celebração em que o mestre do castelo, o Dr. Frank-N-Furter (Tim Curry) está prestes a dar vida a sua criatura, Rocky Horror (Peter Hinwood), seu objeto de desejo sexual. Os outros moradores do castelo são Magenta (Patricia Queen), assistente de Frank e seu irmão, Riff Raff (Richard O'Brien), o mordomo de aparência assustadora. Logo após o "nascimento" de Rocky, surge um projeto experimental de Frank, Eddie (Meat Loaf), um roqueiro gordo e feio que aparece no filme apenas para cantar uma canção (a ótima "Hot Patootie) antes de ser assassinado por Frank (uma eutanásia, de acordo com o cientista, pois "ele tinha charme, mas não tinha músculos").

A história é terrivelmente mal contruída, os efeitos especiais são piores ainda, mas esse é o modelo de filme que criou o gênero "de tão ruim é bom". Na época de seu lançamento, ele foi ignorado pelo público e encontrou seu lugar nas sessões tarde da noite em cinemas pequenos, mas cujos fãs estavam sempre lá, todas as semanas. Com o passar do tempo, esse se tornou um dos filmes mais cultuados da história, sendo o filme que passou mais tempo em cartaz de todos os tempos (creio que ele ainda está em cartaz, desde 1975). Provavelmente o que torna-o tão especial é a vibrante trilha sonora, as experiências de se assistir ele com um público tão devoto e também o tom irreverente e debochado que permanece durante toda a duração do filme.

É difícil de acreditar que esse filme conseguiu ser produzido e aprovado para exibição na época em que foi feito. Um filme com todo o tipo de material ofensivo à sociedade, com transexuais assassinos, criação de homem objeto, expressão de liberação sexual, canibalismo e muitos outros temas mais absurdos, que se não tivesse sido feito quando foi, jamais teria o mesmo efeito. A impressão que dá quando se assiste é a mesma que ocorre quando se assiste "South Park" - sempre me apanho pensando "o que diabos eu estou gastando meu tempo assistindo essa coisa tosca", mas sempre é um prazer assistir. É um dos mais divertidos guilty pleasures que o cinema já fez.

Mencionar a presença de Susan Sarandon no elenco é uma surpresa e tanto, já que hoje em dia ela é conhecida por seus trabalhos mais sérios, mas não podemos esquecer que ela fez muitos filmes ruins em sua carreira, principalmente no começo. Dessa má fase da atriz, este é o que mais se destaca, por causa da fama que ele adquiriu ao longo do tempo. Quem diria que algum dia viriam Susan apenas de lingerie cantando uma música cujo refrão é "toque em mim, quero me sentir suja". Mas o destaque mesmo vai para Tim Curry. Ele não é um grande ator, não fez nenhum grande papel em sua carreira, mas aqui dá um show de interpretação em um papel que tem que ser muito corajoso para interpretar. O Frank encarnado por Curry é apresentado de forma tão natural que é difícil duvidar que ele é uma pessoa de verdade. Curry provavelmente pensou "Já que estou no inferno, vamos abraçar o diabo", pois ele não parece nem um pouco arrependido de ter feito o papel. Qualquer outro ator teria passado o seu descontentamento com o papel em uma situação similar (exemplo é Terrence Stamp, em "Priscilla - rainha do deserto", em que seu travesti é falho e o ator não parece à vontade no papel).

"Rocky Horror Picture Show" é uma parada de homenagens a todo tipo de filme de terror, com um pot pourri de referências aos clássicos de filmes cultuados desde sua abertura até seu final. O próprio Rocky Horror é o monstro de Frankenstein do filme, assim como eles subindo na torre da RKO (para quem não sabe, RKO era um dos maiores estúdios dos anos 30) tal qual King Kong subindo no Empire States. O cabelo de Magenta ao fim da fita é igual ao da noiva de Frankenstein, outro clássico adorado pelo público e crítica, Riff Raff é o típico mordomo lacaio que anda curvado pela mansão. Para quem gosta desses clássicos do cinema, é divertido ficar "catando" as referências e vê-las de roupagem nova. O que deixa "Rocky Horror" menos interessante é seu final, cujo tom baixo destoa bastante do anarquismo do resto do filme. Falando em final, na versão americana foi cortada a música de encerramento "Superheroes", mas felizmente no DVD ela está lá presente.

Embora a experiência de se ver no cinema nas sessões da meia noite não é algo possível de fazer aqui no Brasil, ainda assim vale a pena assisti-lo numa tarde chuvosa, nem que seja para dar umas risadas e se contagiar com as músicas (duvido alguém não ficar com "Time Warp" na cabeça após o término). Se a vontade de assistir como as sessões especiais de cinema, há um extra no DvD que diz o equipamento necessário e aparecem legendas dizendo o que fazer e quando com esse equipamento. O que tem que deixar de lado é todo o preconceito e preceitos morais e divertir-se!