quarta-feira, 2 de maio de 2007

BELEZA AMERICANA

Beleza Americana (American Beauty, 1999)
Dirigido por Sam Mendes
Por Flávio Brun

Olhe mais de perto. "Beleza americana" é um filme que nos leva a fazermos uma auto-reflexão e analisarmos a superficialidade com que as pessoas se apresentam e como nos portamos em meio a essa sociedade.

O filme conta a história de Lester, um homem cuja vida parece ter atingido o fundo do poço e que resolve dar uma guinada em seu destino e mudar sua situação. Lester é casado com Carolyn, uma mulher que vive apenas de aparências e que confunde sucesso com felicidade. Lester e Carolyn tem uma filha, Jane, típica adolescente: insegura e revoltada. Temos os vizinhos, dos quais se destacam Ricky, um adolescente que trafica maconha e seu pai, um militar aposentado. Para completar a galeria de personagens principais temos Angela Hayes, uma menina que faz de tudo para chamar atenção dos homens e que sonha em tornar-se modelo.

"Em menos de um ano, estarei morto e, de certa forma, já estou". Essa frase, dita por Lester no começo do filme nos mostra a situação em que ele se encontra: odiado e desprezado pela família, com um emprego medíocre e aparentemente fadado a continuar nessa situação. Sua vida muda quando Lester vai com a esposa assistir à apresentação de Jane em um número de dança na escola, onde ele conhece Angela, a colega de sua filha e passa a ficar obcecado pela garota. O ponto de virada da vida de Lester, porém, é quando ele conhece Ricky e decide colocar suas frustrações pessoais e profissionais para fora e viver de forma plena. Kevin Spacey faz um ótimo trabalho ao retratar os dilemas de meia-idade enfrentados por Lester, o que o fez merecer seu Oscar de melhor ator por esse filme. Algumas das situações que Lester se depara durante o filme podem parecer exageradas, mas como o filme se trata de uma crítica às aparências, os acontecimentos não são tão absurdos.

"Não há nada pior do que ser comum". Angela Hayes é o modelo de adolescente que quer chamar atenção: só fala de sexo e se gaba por ter transado com vários. Ela é convicta de que é a pessoa mais linda do mundo e só tenta rebaixar as pessoas à sua volta. A primeira vez que Lester a vê é na cena da dança no ginásio (uma homenagem do diretor Sam Mendes ao diretor/coreógrafo Bob Fosse, criador de sucessos como "Cabaret", "Chicago" e "All that jazz"), onde as líderes de torcida dançam ao som de "On Broadway", tema de abertura de "All that jazz" e sua dança é bem no estilo das coreografias de Fosse, com movimentos pequenos, porém expressivos e sensuais. O impacto que Angela causa na vida de Lester é semelhante ao que acontece com o personagem de James Mason em "Lolita", ao conhecer a ninfeta que vira a cabeça do senhor de meia-idade. Mena Suvari foi a escolha certa para o papel, com um rosto não excepcionalmente bonito e que consegue expressar seu desprezo a todas as outras pessoas.

"Para se dar bem, uma pessoa dever apresentar uma imagem de sucesso o tempo todo". Carolyn Burnham é a personagem mais superficial do filme - seu único motivo de viver é tentar alcançar o sucesso profissional, mesmo tendo que abrir mão de sua felicidade conjugal. Em uma cena, Carolyn se importa mais com a possibilidade de Lester derrubar cerveja no sofá de 400 dólares forrado em seda italiana que com o simples prazer de aproveitar uma tarde de amor ao lado do marido. Na cena da festa em que Lester conhece Ricky, Carolyn começa a conversar com o Buddy, o "Rei imobiliário", seu principal rival de negócios e que tem o mesmo lema de vida. Annette Bening está em uma das melhores interpretações do filme, passando o ar de artificialidade que a personagem exige.

"Às vezes penso que há tanta beleza no mundo que acho que não consigo agüentar". Ricky é o espectador de tudo que acontece à sua volta. Ele é, juntamente com Angela, o catalisador para a jornada de auto-descobrimento de Lester, ao pedir demissão no meio de um serviço de garçon. Ricky é capaz de encontrar beleza nas coisas mais simples da vida, e denuncia a feiura quando a encontra, principalmente ao conhecer Jane e se apaixonar por ela por seu jeito recatado, jeito esse ressaltado por ela estar quase sempre junto de Angela, que é seu oposto. Sua família também é desestruturada, com seu pai preconceituoso, que comanda a casa como se fosse um exército e que tem sentimentos reprimidos, e sua mãe que passa o filme todo como se estivesse em um estado catônico, alheia à realidade à sua volta.

O filme é carregado por suas ótimas interpretações e roteiro - sua premiação com o Oscar prova que um bom roteiro ainda permanece como principal forma de entretenimento. Os diálogos do filme são excelentes, com uma mistura perfeita entre humor e drama familiar - o trailer do filme dizia "quem disse que um drama não pode ser engraçado e que uma comédia não pode ser tocante?". A direção de Sam Mendes também é muito acima do comum, ainda mais para um diretor estreante (há quem diga que essa foi a estréia mais badalada de um diretor desde "Quem tem medo de Virginia Woolf", de Mike Nichols). A história é pontuada por temas polêmicos - o desejo sexual de Lester por Angela (pedofilia), adultério, consumo de drogas e patricídio - porém os temas surgem naturalmente, sem que tenhamos uma mensagem positiva ou negativa sobre esses assuntos empurrada goela abaixo.

O título "Beleza americana" se refere a um tipo de rosas comum na América do Norte e uma de suas características é a ausência de espinhos e essa flor aparece em diversas cenas do filme, e são mais notáveis nas cenas de imaginação de Lester, onde aparece no mínimo uma pétala. Assim como a rosa que não tem espinhos, os personagens do filme vivem como se não tivessem alma, apenas uma casca com uma bela aparência e que têm medo de colocarem seus espinhos para fora.

A técnica de usar um narrador póstumo anunciando a própria morte no começo do filme, já usada em 1950 no magnífico "Crepúsculo dos deuses", é um toque especial no filme, ainda mais que sabemos que Lester será morto até o fim do filme logo após aparecer uma cena de um vídeo em que sua própria filha planeja matá-lo.

O ano de 1999 foi o ano de o cinema fazer críticas à nossa sociedade moderna. David Fincher mostrou seu ponto de vista com o inovador "Clube da luta" e Sam Mendes com seu "Beleza americana". Enquanto o filme de Fincher mostra como as pessoas não têm um propósito para viver e é também uma crítica ao consumismo desenfreado, Mendes nos apresenta sua visão de como as pessoas vivem de aparência e não vivem o que realmente sentem. Fincher apresenta sua crítica de forma sutil como um elefante dançando balé, enquanto a crítica de Mendes é algo a ser subentendido.

Um dos melhores de um ano de grandes filmes (1999 também foi o ano de "O sexto sentido", "À espera de um milagre" e "Magnólia"), "Beleza americana" se destaca como uma fábula moderna de como é viver de aparências e o preço que se paga quando se tenta viver uma vida sem preocupações. Lester em um momento diz "É ótimo quando nos damos conta que ainda temos a habilidade de surpreendermos a nós mesmos" e essa frase se aplica a esse filme: é ótimo ver como um filme ainda tem a habilidade de surpreender seu público.

Um comentário:

Márcio Zacarias disse...

Cara, eu adoro esse filme... Eu lembro que eu vi em Alegrete, na casa de uma amiga, e só eu e meu amigo Dinler achamos o filme o máximo!

Legal que tu compartilhe da mesma opinião que eu sobre este filme ^^
Ele é muito bom, muito bom e muito bom.