segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

EM SEU LUGAR

Em seu lugar (In her shoes, 2005)
Dirigido por Curtis Hanson
Por Flávio Brun

Rosie Feller (Toni Collette) possui muitos sapatos. Seu closet parece uma seção de uma sapataria, pois, de acordo com ela, comprar sapatos é bom porque não ficam feios nela, que está alguns quilinhos acima do peso. Sua irmã Maggie (Cameron Diaz) acha que é um crime que tantos sapatos tão bonitos fiquem lá parados, e tenta fazer com que eles "aproveitem a vida". À primeira vista, essa sinopse dá a impressão de que este é apenas um clássico filme direcionado apenas ao público feminino e sem profundidade nenhuma, mas não o é.

O título original do filme, "In her shoes", se traduzido ao pé da letra seria "nos sapatos dela". E sapatos é o que não falta aparecer. São muitas as cenas em que a primeira parte da pessoa a aparecer são os sapatos, o que dá um certo ar de identidade ao filme além de ajudar a deixá-lo mais estilizado. Eles exercem um papel importante no filme, sendo usado diversas vezes como razão para as irmãs discutirem (qual a dupla de irmãs que nunca discutiu por uma usar o vestuário da outra?).

A vida de Rosie não é das mais agradáveis. Descontente com sua aparência e insegura por natureza, ela é a personificação da mulher independente: trabalha como advogada em uma grande empresa, tem sua estabilidade financeira, solteira e infeliz. Sua rotina é basicamente trabalho-casa-trabalho. Ocasionalmente se encontra com uma amiga (Brooke Smith), que muitas vezes acaba sendo sincera demais. Mais freqüentemente que o desejado, Rosie acaba tendo que "salvar" sua irmã de alguma encrenca - o começo do filme mostra uma dessas, em que Maggie fica bêbada e desmaia durante uma reunião de veteranos de sua escola. Como a vida amorosa de Rosie é quase nula, nas poucas situações em que ela consegue alguém para matar sua carência ela tira fotos, para se convencer de que o que aconteceu foi real.

Para contrastar com Rosie, sua irmã Maggie é totalmente dependente. Aos vinte e vários de idade (senão trinta e poucos) ainda mora com o pai (Ken Howard) e sua detestável madrasta (Candice Azzara), cujo único assunto é sua filha a qual se refere como "minha Marcia" e que expulsa Maggie após ela voltar bêbada para casa. Incapaz de permanecer em um emprego (uma das melhores risadas proporcionadas pelo filme é a explicação do motivo de ela ter perdido um dos empregos), Maggie vai morar com a irmã, que tenta de todas maneiras lhe conseguir um emprego, mas Maggie tem um problema: sua capacidade de raciocínio e leitura são muito abaixo do normal. Após algum tempo, o atrito entre as irmãs cresce de tal maneira que Rosie se vê obrigada a mandar a irmã para a rua e as duas se separam com uma grande dose de amargura de ambas as partes.

Para completar a galeria de personagens, há ainda a avó das garotas, Ella (interpretada pela já lendária Shirley MacLaine). Ella foi afastada das meninas após a morte intencional de sua filha, mãe das protagonistas, e perdeu o contato com as mesmas desde então e agora vive em um tipo de resort para idosos. Sem lugar para onde ir, Maggie descobre o paradeiro da avó e vai morar com ela, mas apenas por comodidade, e não afeição. Com o tempo, Maggie acaba descobrindo seu lugar e se transforma em uma pessoa totalmente diferente da vista no começo do filme, seguindo a tradição do cinema clássico de que os personagens quase sempre devem ter um arco de evolução.

O filme vencedor do Oscar de melhor filme de 1988, "Rain man", também tratava das relações de irmãos. Ambos os filmes tentam enfatizar as relações de fraternidade dos seus protagonistas, e conseguem com sucesso. "Em seu lugar" pode ser visto como uma visão mais açucarada e menos profunda de seu predecessor. Além disso, os pares de irmãos dos dois filmes seguem o mesmo padrão: um deles é independente (Tom Cruise, em "Rain Man") e o outro possui algum problema mental (Dustin Hoffman, no filme de 1988). Claro que ao passar para o universo feminino e em uma comédia, algumas coisas tiveram que ser atenuadas. O problema mental de Maggie é dislexia e QI baixo, enquanto o Raymond de "Rain Man" era autista.

Filmes que tentam enfatizar em relações familiares tendem a ser manipuladores em excesso e, felizmente, "Em seu lugar" consegue evitar bastante isso, mas não que esteja livre de seus problemas. Uma cena perto do fim do filme é o exemplo disso, mas provavelmente foi utilizada apenas para extrair uns "ooohhh" e "aaahhh" da platéia. Os vários pontos altos que "Em seu lugar" são os dramas de Maggie. Sua personagem é de longe a mais complexa, e responsável pela maior parte das reações ao filme. O relacionamento com sua avó, que começa frio e materialista, se torna afetivo e amigo com o passar do tempo. O senhor do asilo para quem Maggie lê, parece ter como único propósito explorar a fraqueza da garota e expandir seus horizontes, e também para justificar a cena do fim do filme mencionada anteriormente.

Além de uma história boa e relativamente bem contada, "Em seu lugar" também conta com atuações de peso por parte de todo o elenco. Cameron Diaz mosta aqui seu lado dramático e prova que seu talento não se limita apenas a comédias adolescentes e é capaz de comover e rir em um mesmo filme. Toni Collette, a Muriel de "O casamento de Muriel" e a mãe do menino assombrado por fantasmas de "O sexto sentido" volta em mais uma ótima interpretação, mostrando que não é só a boa aparência que faz uma boa atriz. A versatilidade dessa atriz chega a ser assombrosa, e é uma pena que ela não tenha o reconhecimento que seu talento merece. Shirley MacLaine já é uma lenda viva, com um histórico invejável de filmes aclamados ("Volta ao mundo em 80 dias", "Se meu apartamento falasse", "Laços de ternura") e serve para preencher o elenco feminino do filme. Os homens são peça quase descartável ao longo do filme, sendo que a história gira em torno das mulheres e suas relações, com os Adões da história servindo apenas como catalisador das reações e decisões das Evas.

Se encarado como um grande drama, esse é um filme modesto, porém se visto como um "filme de mulherzinha" (os famosos "chick flicks" nos Estados Unidos), este é um filme ambicioso. Definitivamente vale a pena assistir pelo ótimo desempenho de Cameron Diaz, que simplesmente rouba a cena, além é claro dos outros integrantes do elenco e da história simpática. Ao ser solicitado(a) a assistir um filme para o público feminino, se eu estivesse em seu lugar, eu escolheria este.