Dirigido por Bob Fosse
Por Flávio Brun
"É hora do show, pessoal!"
A frase acima, dita tantas vezes ao longo de "O show deve continuar", expressa com perfeição a experiência de se assistir ao filme - um show. O diretor Bob Fosse volta ao cinema sete anos após seu genial "Cabaret" com um musical semi auto-biográfico sobre os exageros cometidos em sua vida no show business.
O filme se abre com John Gideon (Roy Scheider), um diretor de cinema e peças de teatro, em seu começo de dia: uma fita no rádio (o filme foi feito antes do advento do CD) dá um tom operático a sua vida pontuada por excessos, demonstrado por pílulas espalhadas pelo banheiro e seu cigarro sempre na boca (inclusive no banho). A palavra que resumiria a vida de Gideon é simplesmente "excesso": trabalho em excesso (não que ele reclame disso, ele faz por prazer), mulheres em excesso, stress em excesso. Tamanhos exageros o levam a ser uma pessoa basicamente solitária e o fazem flirtar com a morte - interpretada no filme como uma bela mulher de branco por Jessica Lange.
O ponto mais comentado na comunidade de críticos é o fato do filme ser semi auto-biográfico, porém mesmo não sendo, ainda assim é um deleite a todos, independente de gostar de musicais ou não. Em "O show deve continuar", nenhum personagem pára o que está fazendo e começa a cantar (contrário a maioria dos musicais pré-anos 70). Todos os números de canto e dança aparecem em meio às alucinações ou imaginação de Gideon - de forma similar à forma em que foi feito, mais de 20 anos depois, em "Chicago" que, por sinal, foi criado por Fosse para a Broadway (o título original de "O show deve continuar" se refere à musica de abertura de "Chicago").
Uma das indicações do filme no Oscar de 1979 foi de melhor ator para Roy Scheider, e foi uma terrível injustiça o ator ter perdido a estatueta. Scheider era muito popular na década de 70, e estava presente no filme vencedor do Oscar de melhor filme de 1971 ("Operação França") e seu papel mais conhecido provavelmente é o chefe Brody de "Tubarão", porém nenhum desses papéis se compara ao John Gideon representado por Scheider em "O show deve continuar". Algo muito comum é assistir a um filme e pensar "Eu já vi esse ator/atriz em algum lugar", porém Scheider criou um personagem tão convincente, que nada lembra seus trabalhos anteriores, tornando sua interpretação um exemplo a ser seguido. É raro ver uma atuação que não é apenas uma pessoa recitando palavras, e sim um compromisso de corpo e alma, em que o ator na tela é uma encarnação de seu personagem, um ser tri-dimensional que permanece conosco após o filme e com quem é facil de se identificar de alguma forma.
Munido de uma trilha sonora de primeira grandeza, uma das primeiras canções do filme, considerada por muitos como sendo a mais marcante, é "On Broadway", onde Gideon escolhe o elenco de sua nova produção e dezenas de pessoas dançam ao som contagiante da canção. O resto das músicas são encaixadas no contexto do filme, e aquelas cujo conteúdo é mais relevante para o filme, são as que se passam na imaginação do diretor onde os outros personagens expressam suas idéias em forma de canto - a parte em que isso se exemplifica seria durante a cirurgia, em que assiste as mulheres de sua vida (a ex-esposa, filha e namorada) falam de seus erros para com elas. Mesmo depois dessa experiência, o personagem não muda e continua com seus excessos. Aparentemente, sua conduta é apenas uma forma de conquistar o anjo da morte e satisfazer seus desejos físicos. Seu adeus à vida é feito da forma mais condizente possível ao seu estilo de vida: em um mega-espetáculo com uma grande platéia e em um grande número musical e no fim dele ele vai de encontro à bela mulher que para ele representa a morte.
Uma das cenas mais memoráveis do filme é a apresentação de "Take off with us / Air-otica", uma demonstração magnífica da beleza do corpo humano em movimento. Nessa cena, Fosse esbanja seu estílo característico de coreografia, com movimentos sensuais sem nunca parecer vulgar, um exemplo a ser seguido por aqueles que se dizem cineastas mas não têm um pingo de estilo.
"O show deve continuar" é um filme vencedor, e diversas premiações ao redor do mundo o consagraram na época nas mais diversas áreas, e isso comprova que este é um filme extremamente bem feito em todos os aspectos. Como a premiação mais badalada é o Oscar, este entra na imensa lista de injustiças da premiação, sendo infinitamente superior ao vencedor do prêmio de melhor filme daquele ano (a saber: "Kramer versus Kramer") e em nível equivalente a outro concorrente, "Apocalypse now". Bob Fosse morreu jovem alguns anos após a conclusão desse filme, em mais um caso em que a vida imita a arte, nos privando de mais grandes obras de um grande diretor. Fosse pode ter ido embora cedo, mas todo seu sacrifício não foi em vão, e todo aquele jazz ficará imortalizado enquanto houverem pessoas de bom gosto de cinema.
2 comentários:
Eu juro que li o texto todo lendo "rob schneider" e ahando tudo muito estranho uhahuueuh. depois só que fui ver.
Uma questão interessante é aquela sobre atuação, que já me vi algumas vezes assistindo um filme e enxerrgando atores como apensas atores lendo linhas de texto. Frustrante.
Sobre o filme, não conheço seu viciado em musicais
Olá!
Adorei! :) Tá bem bom, mesmo!
Só o fato de o cara não começar a cantar do nada já é algo que motiva mais a ver o filme. "Canto repentino" é realmente bem estranho... em musicais os momentos tristes tb são ilustrados com música.. agora me diz quem consegue cantar estando no fundo do poço? =D (não concordo que o "isso é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência" apague essa inconsistência XD).
Abração! E vê se escreve mais!! ;)
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