Dirigido por Adam Shankman
Por Flávio Brun
Os anos 60 parecem estar voltando à moda, principalmente na forma de musicais adaptados de peças da Broadway, o que não poderia ser mais próprio, pois essa foi a década de maior sucesso dos musicais. Em 2005 foi feito o amoral mas divertido "Os produtores". Em 2006 foi a vez da música negra entrar nos filmes musicais em "Dreamgirls - em busca de um sonho". Esse ano foi a vez de "Hairspray", que é definitivamente o mais divertido e acessível ao público dos musicais da safra que estamos tendo esta década.
No fim da década de 70, onde musicais já eram coisa do passado e eram completamente negligenciados pelo público, um milagre aconteceu ao ser lançado "Grease - nos tempos da brilhantina" - o musical adolescente foi a maior bilheteria do ano (bateu até "Superman - o filme") e firmou John Travolta como um ídolo das adolescentes. Infelizmente, esse foi um caso isolado de musicais vindo à tona, porém quase trinta anos mais tarde, "High School musical" reviveu o mundo de adolescentes de colegial cantantes, tornando-se uma febre entre crianças e pré-adolescentes. Aproveitando o gancho deixado por "High School Musical", "Hairspray" retorna com vários colegiais cantando do começo ao fim, mas é mais bem humorado e bem executado que seus predecessores.
Anos 60, os tempos estão mudando, os cabelos estão subindo e ficando cada vez mais rígidos por causa do laquê (hairspray, em inglês) e a segregação racial é um dos assuntos mais quentes da época. Nesse cenário que se passa "Hairspray", a história de Tracy Turnblad (Nikki Blonsky), uma garota alguns (muitos) quilos acima do peso e com alto-astral de tamanho equivalente, cujo sonho é ser integrante do grupo de adolescentes que dançam no Corny Collins Show (corny, em inglês quer dizer "piegas"), um programa de televisão local que todo jovem assiste. Sua igualmente "cheinha" mãe, Edna (John Travolta), não sai de casa há mais de uma década e é casada com Wilbur (Christopher Walken), dono de uma loja de artigos de pregar peças. Para dificultar o caminho de Tracy é necessária a inserção dos vilões, Velma Von Tussle (Michelle Pfeifer) e sua filha Amber (Brittany Snow), as "rainhas" do Corny Collins Show.
Ano passado, "Dreamgirls" mostrou a luta de um grupo de negros enfrentando um mercado prominentemente branco e conquistando espaço no mundo da música e na sociedade. Em "Hairspray", o tema de segregação racial é apenas um tópico secundário mas, estranhamente, é apresentado de forma muito mais eficiente que seu predecessor. No programa "Corny Collins Show" apenas jovens brancos dançam, e é reservado um dia a cada mês em que apenas os negros aparecerem (o "Negro Day"). Em "Dreamgirls", não é feito nenhum tipo de demonstração pública pedindo direitos iguais a pessoas de cor, enquanto isso gera boas cenas em "Hairspray". Infelizmente o mundo não funciona como o que acontece no filme em que, no fim, todo mundo acaba se aceitando independente das diferenças, mas pelo menos ele mostra que havia algo errado e não faz vista grossa aos acontecimentos vergonhosos da nação.
A carreira de John Travolta é uma das mais interessantes do povo de Hollywood, sendo que desde os anos 70 ele se mantém sempre conhecido, mesmo com todos os altos e baixos de sua trajetória. Depois do estrondoso sucesso de "Embalos de sábado a noite", Travolta tornou-se o padrão de dançarino da época, e com "Grease" apenas confirmou sua popularidade. No começo dos anos 80, ele cometeu o cúmulo da breguice e mau gosto ao dançar besuntado em óleo em "Os embalos de sábado a noite continuam", e sua carreira quase foi para o brejo. Depois de vários filmes pequenos, ele voltou com tudo em "Pulp Fiction" e poucos anos depois ele cometeu o pior erro de sua carreira ao realizar o péssimo "A reconquista". Com muito esforço ele continua trabalhando em diversos projetos, na maioria pequenos, mas em "Hairspray" ele se superou e fez uma atuação digníssima de pelo menos indicação ao Oscar de ator coadjuvante (já é tempo de começar a fazer apostas!) ao interpretar a dona-de-casa obesa e extremamente simpática. Três décadas podem ter se passado, mas seu talento não mostra sinais de envelhecimento, comprovando que seu território é o canto e a dança.
Pode parecer questionável o fato de Travolta ter sido escolhido para o papel de Edna, mas em todas as encarnações de "Hairspray" essa personagem foi interpretada por um homem (Harvey Fierstein na versão da Broadway) ou um travesti (Divine, na versão cinematográfica de 1988). Só de ver Travolta coberto de maquiagem e parecendo uma mulher já proporciona boas doses de riso ao assistir o filme, e ao dançar, mesmo entupido de enchimento para parecer mais gordo, ainda parece o mesmo jovem de trinta anos atrás.
Praticamente todo o material publicitário mostra Travolta como atração principal, mas o destaque pra mim foi a personagem (e atuação, principalmente) de Michelle Pfeifer como vilã. Totalmente caricata, ela parece uma mistura de miss (título que ela orgulhosamente canta em determinada cena) e vilão de desenho da Disney, sendo hilária com suas trapalhadas e completamente ineficiente em seus planos absurdos. Suas falas e suspeitas beiram o absurdo, quando ela acusa Tracy de ser comunista apenas porque a jovem é pró-integração de brancos e negros. Igualmente merecedora de elogios é Nikki Blonsky que irradia a tela com sua alegria, com um sorriso que só poderia pertencer à Xuxa trabalhando na Disney. Quem não ficar com vontade de bater palmas enquanto ela caminha alegremente pelas ruas cantando "Good morning, Baltimore" ou não abrir um sorriso ao vê-la na loja de roupas de tamanhos especiais, necessita verificar seu nível de mau-humor.
"Hairspray" tem tudo que precisa para fazer sucesso: uma história bem divertida, um elenco de primeira e uma trilha sonora contagiante. Com tudo isso, meu sorriso permaneceu mais firme que os cabelos no filme.
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