sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A MALVADA

A malvada (All about Eve, 1950)
Dirigido por Joseph L. Mankiewicz
Por Flávio Brun

Há quem diga que é difícil de se escrever sobre filmes dos quais se gosta. Uma vez que minha vida como cinéfilo é dividida em pré-"A malvada" e pós-"A malvada", é possível afirmar que falar desse filme é uma missão quase impossível para mim. Pode até parecer exagero meu, mas garanto que não sou o único a venerar esse clássico da época de ouro do cinema estadunidense.

O mundo da sétima arte trabalha de forma engraçada. Muitas vezes passam-se anos e anos sem um grande filme, e em compensação surgem vários ótimos filmes em um único ano. Um desses anos foi 1939, com "... E o vento levou", "O mágico de Oz", e mais alguns outros. 1994 foi outro desses anos, com "Forrest Gump", "Pulp Fiction" e "Um sonho de liberdade", mas de todos os anos produtivos de Hollywood, o melhor foi 1950, em que foram produzidas duas das melhores obras já feitas na indústria cinematográfica: "A malvada" e "Crepúsculo dos deuses". Ambos são filmes obrigatórios de serem assistidos por todo aquele que se intitula cinéfilo, e possuem o máximo que um filme pode atingir em todos os aspectos, principalmente narrativa e interpretação.

Como de praxe, os tradutores tupiniquins foram criativos ao passar o título para nossa língua e de "Tudo sobre Eve" o filme passou a se chamar "A malvada", em uma manobra que não apenas fez com que essa obra-prima recebesse um título de novela mexicana, mas também faz esperar que uma das personagens seja má, algo que o título original não menciona. Felizmente, em 1999 o filme espanhol "Tudo sobre minha mãe" fez sucesso ao prestar uma grande homenagem a esse filme, e fez com que muitos redescobrissem esse grande clássico (um personagem do filme espanhol diz: "que mania eles têm de trocar o título! 'All about Eve' quer dizer 'Tudo sobre Eve'").

Ao começo do filme, somos apresentados a uma premiação, o prêmio Sarah Siddons que é o Oscar do teatro. Na platéia do evento vemos um grupo de pessoas com rostos indiferentes, e até infelizes de certa forma, enquanto uma voz apresenta-nos os personagens. Essa voz pertence a Addison DeWitt (George Sanders), um crítico cuja caneta é mais venenosa que a mais perigosa das cobras. Logo a seguir, ele apresenta o diretor premiado na noite, Bill Sampson (Gary Merrill) e o autor também premiado, Lloyd Richards (Hugh Marlowe) - de acordo com Addison, meros pilares que seguram o holofote que é a atriz, Eve Harrington (Anne Baxter). Também são apresentados outros personagens, principalmente Karen Richards (Celeste Holm), a esposa de Lloyd e Margo Channing (Bette Davis), uma atriz quarentona parecendo completamente indiferente ao que se passa no recinto.

No momento em que Eve recebe seu prêmio, tudo simplesmente pára (em um dos primeiros usos de freeze frame da história) e Addison diz: "Eve. (...) Já falaram sobre o que ela come, o que ela veste, quem ela conhece e onde ela esteve, quando e onde ela vai ir. Eve. Vocês já sabem tudo sobre Eve. O que mais há sobre Eve que vocês não sabem?". E nesse instante, começa o flashback que conta a história de ascenção de Eve, narrada ora por Karen, ora por Margo. Tudo começou em uma noite chuvosa, onde Karen encontra Eve, uma garota pobre e apaixonada pelo trabalho de Margo. Como Karen e Margo são melhores amigas e vendo a devoção da jovem por Margo, Karen resolve apresentá-la à amiga, que se comove com sua história e leva-a pra casa empregando-a como cozinheira, acompanhante, conselheira. Todos parecem adorar Eve, com exceção de Birdie (Thelma Ritter), que desde o primeiro momento sente que Eve está tramando algo. Com o tempo, Eve começa a mostrar seus reais interesses e torna-se a malvada a qual o título se refere.

A sinopse pode parecer um tanto familiar, mas é porque o tema já foi inumeramente reutilizado, mas nenhuma imitação conseguiu chegar aos pés do original. As novelas da Globo, principalmente as de Gilberto Braga, possuem uma Eve e uma Margo disfarçadas. O caso mais descarado de cópia foi na novela "Celebridade", que nada mais foi que "A malvada" reduzida à baixeza das novelas brasileiras e extendida em centenas de capítulos.

Ao assistir a performance de Bette Davis como Margo Channing, estabeleci um padrão de referência a qual todas as interpretações devem ser medidas. Nenhuma atriz conseguiu igualar-se a Bette neste filme, que está simplesmente perfeita. Na época do lançamento, a atriz Tallulah Bankhead entrou com ações contra Bette por esta ter usado dos mesmos maneirismos por que era conhecida. Bette possuia todo o equipamento necessário para interpretar este papel que é aquele que não aparece mais de uma vez na vida de uma atriz (muitas vezes nem chega a aparecer). Impressionante é o fato de que Bette foi uma solução emergencial para a produção, pois já haviam escolhido Claudette Colbert para o papel, mas ela havia sofrido alguns problemas de saúde e teve que se ausentar, para a sorte de Bette (e do público). Ninguém poderia ter feito uma Margo Channing melhor! A atriz possuia tanto poder de expressão corporal que até nos momentos em que não fala nada seu rosto fala por si, principalmente por seu olhar - até uma música ela possui sobre seus olhos (a saber, a música é "Bette Davis' eyes").

É possível afirmar que o pivô do filme é Margo, e ao seu redor figuram estrelas que brilham com excelentes atuações. Celeste Holm está bem como Karen, mas em matéria de atriz coadjuvante, o destaque vai para Thelma Ritter. Estranho saber que esta atriz com o talento que tem sempre trabalhou como coadjuvante, e mais estranho ainda ver sua personagem aqui simplesmente sumir na metade do filme (se há algo a reclamar de "A malvada" é isto). Apesar de ser personagem-título, Eve é uma coadjuvante no filme, mas Anne Baxter insistiu em ter seu nome indicado como atriz principal nas premiações. A presunção da atriz foi tamanha que fez com que ela e Bette perdessem o prêmio, que quase certamente ambas teriam ganhado caso nomeadas apropriadamente. Não é despropositalmente que apenas as mulheres são mencionadas, pois os homens são meros combustíveis das ações tomadas pelas mulheres. De todos eles, o melhor é, com certeza, George Sanders, que torna toda a arrogância de seu personagem incrivelmente verossímil. Em linhas gerais, este é o melhor elenco já reunido para um filme.

O diretor e roteirista Joseph L. Mankiewicz é o responsável por dar a alma de todos esses personagens. Irmão de Herman Mankiewicz (roteirista de "Cidadão Kane", eleito por vários especialistas como o melhor filme de todos os tempos), Joseph prova que o talento é de família e escreveu um dos roteiros mais enxutos e referenciáveis já vistos. Praticamente todas as frases são carregadas de um tom ácido, não só de personagem para personagem, mas também sobre os assuntos que aborda, principalmente quando cinema e teatro estão em pauta. Logo no começo do filme, por exemplo, Addison discursa sobre o prêmio Sarah Siddons com a seguinte fala:

"Talvez o prêmio Sarah Siddons seja desconhecido para você. Ele foi poupado do sensacionalismo dado a prêmios questionáveis tais como o Pulitzer ou aquele prêmio anual dado por aquela sociedade cinematográfica".

Mesmo com toda a ironia presente quando cinema é mencionado, ele sutilmente aparece como uma ameaça ao teatro, que rouba seus atores e diretores. O personagem de Gary Merrill diz "não diga que cinema não é teatro. Pode não ser seu teatro, mas pode ser o de alguém". Aqui o ataque ao cinema é sutil, apenas acusa-o de ladrão de pessoal, enquanto em "Crepúsculo dos deuses" o ataque é mais direto e eficiente. A paixão de Eve pelo teatro, por exemplo, não passa de uma grande atuação, basta ver perto do fim quando ela se mostra totalmente indiferente quando é questionada se vai voltar ao teatro após ir a Hollywood ou não.

Além de tudo isso, há uma série interminável de falas que figuram entre as mais famosas do cinema - a mais lembrada é "Apertem os cintos. Vai ser uma noite turbulenta". Vale a pena lembrar que o filme foi feito no começo dos anos 50, em que a televisão era uma ameaça ao cinema, e Addison DeWitt lança a frase final sobre a superioridade do cinema sobre a televisão a uma atriz iniciante (Marylin Monroe, ainda desconhecida): "TV é isso, nada mais que testes".

Além de toda a sagacidade verbal que o roteiro possui, há também uma série de outras sutilezas. Há duas ótimas cenas cujo simbolismo fala mais que um grande diálogo. Uma delas é quando Eve é flagrada fazendo reverências com o vestido de Margo. Quando ela é vista, ela segura o vestido tal qual um corpo, simbolizando sua mentira morta e levada embora. Desse momento em diante, Margo abre os olhos e vê que Eve não é tão boazinha quanto parece. Já no final do filme quando Phoebe (Barbara Bates) segura o prêmio de Eve, a associação de espelhos refletem o que está por vir e servem como um aviso dos milhares de impostores que circulam e estão todos combatendo entre si para pôr suas mãos em seus objetivos. Essa é um dos finais mais lindos e impactantes já filmados, e não há palavras o suficiente para descrevê-lo. De acordo com o código Hayes, que dizia que nenhum filme poderia ofender os valores morais, muita coisa que seria ofensiva está lá, sim, porém de forma muito bem camuflada, como por exemplo o lesbianismo de Eve ou as insinuações de Karen sobre a integridade do marido quando Eve vai lhe pedir desculpas ("de joelhos, sem dúvida!", diz ela).

Os números ajudam a comprovar o que o filme realmente oferece: este é um dos recordistas do Oscar, com 14 indicações (alcançado apenas quase meio século depois por "Titanic") das quais foi premiado em seis categorias (melhor filme, roteiro, direção, ator coadjuvante, figurino e som) e segura também o recorde de indicações de atuações femininas, com praticamente todas as atrizes do filme indicadas (Bette Davis e Anne Baxter como atriz principal e Thelma Ritter e Celeste Holm como atrizes coadjuvantes), mas por incrível que pareça nenhuma delas levou a estatueta para casa. Na categoria principal, Bette Davis realmente merecia ter levado o prêmio, mas provavelmente ela e Gloria Swanson (a Norma Desmond de "Crepúsculo dos deuses") se anularam e no fim nenhuma delas ganhou. O mesmo deve ter acontecido com as atrizes coadjuvantes, pois elas estavam incrivelmente bem em seus papéis, embora não no mesmo nível de Bette e Gloria. Ironicamente, em um filme com tanta indicação para atrizes, a única estatueta recebida por atuação foi para George Sanders, mais que merecida por sua interpretação memorável de Addison DeWitt.

Somado a tudo isso, o que tornou "A malvada" um divisor de águas na minha vida como cinéfilo foi simplesmente porque esse filme me abriu a mente para uma outra forma de cinema, e me introduziu à verdadeira sétima arte, que parece ter se perdido no tempo. Felizmente fui resgatado por esse filme e aprendi a apreciar os clássicos do passado.

Em uma cena, Addison DeWitt, mencionando sua primeira impressão sobre Eve como atriz, diz a Margo:

"Como você sabe, eu vivo no teatro como um monge vive em sua fé. Não tenho outro mundo, nem outra vida - e muito raramente acontece aquele momento de revelação por qual todo crente espera e reza. Você foi um, Jeanne Eagels outro. Eve Harrington será um deles".

"A malvada" foi o meu.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

HAIRSPRAY - EM BUSCA DA FAMA

Hairspray - em busca da fama (Hairspray, 2007)
Dirigido por Adam Shankman
Por Flávio Brun

Os anos 60 parecem estar voltando à moda, principalmente na forma de musicais adaptados de peças da Broadway, o que não poderia ser mais próprio, pois essa foi a década de maior sucesso dos musicais. Em 2005 foi feito o amoral mas divertido "Os produtores". Em 2006 foi a vez da música negra entrar nos filmes musicais em "Dreamgirls - em busca de um sonho". Esse ano foi a vez de "Hairspray", que é definitivamente o mais divertido e acessível ao público dos musicais da safra que estamos tendo esta década.

No fim da década de 70, onde musicais já eram coisa do passado e eram completamente negligenciados pelo público, um milagre aconteceu ao ser lançado "Grease - nos tempos da brilhantina" - o musical adolescente foi a maior bilheteria do ano (bateu até "Superman - o filme") e firmou John Travolta como um ídolo das adolescentes. Infelizmente, esse foi um caso isolado de musicais vindo à tona, porém quase trinta anos mais tarde, "High School musical" reviveu o mundo de adolescentes de colegial cantantes, tornando-se uma febre entre crianças e pré-adolescentes. Aproveitando o gancho deixado por "High School Musical", "Hairspray" retorna com vários colegiais cantando do começo ao fim, mas é mais bem humorado e bem executado que seus predecessores.

Anos 60, os tempos estão mudando, os cabelos estão subindo e ficando cada vez mais rígidos por causa do laquê (hairspray, em inglês) e a segregação racial é um dos assuntos mais quentes da época. Nesse cenário que se passa "Hairspray", a história de Tracy Turnblad (Nikki Blonsky), uma garota alguns (muitos) quilos acima do peso e com alto-astral de tamanho equivalente, cujo sonho é ser integrante do grupo de adolescentes que dançam no Corny Collins Show (corny, em inglês quer dizer "piegas"), um programa de televisão local que todo jovem assiste. Sua igualmente "cheinha" mãe, Edna (John Travolta), não sai de casa há mais de uma década e é casada com Wilbur (Christopher Walken), dono de uma loja de artigos de pregar peças. Para dificultar o caminho de Tracy é necessária a inserção dos vilões, Velma Von Tussle (Michelle Pfeifer) e sua filha Amber (Brittany Snow), as "rainhas" do Corny Collins Show.

Ano passado, "Dreamgirls" mostrou a luta de um grupo de negros enfrentando um mercado prominentemente branco e conquistando espaço no mundo da música e na sociedade. Em "Hairspray", o tema de segregação racial é apenas um tópico secundário mas, estranhamente, é apresentado de forma muito mais eficiente que seu predecessor. No programa "Corny Collins Show" apenas jovens brancos dançam, e é reservado um dia a cada mês em que apenas os negros aparecerem (o "Negro Day"). Em "Dreamgirls", não é feito nenhum tipo de demonstração pública pedindo direitos iguais a pessoas de cor, enquanto isso gera boas cenas em "Hairspray". Infelizmente o mundo não funciona como o que acontece no filme em que, no fim, todo mundo acaba se aceitando independente das diferenças, mas pelo menos ele mostra que havia algo errado e não faz vista grossa aos acontecimentos vergonhosos da nação.

A carreira de John Travolta é uma das mais interessantes do povo de Hollywood, sendo que desde os anos 70 ele se mantém sempre conhecido, mesmo com todos os altos e baixos de sua trajetória. Depois do estrondoso sucesso de "Embalos de sábado a noite", Travolta tornou-se o padrão de dançarino da época, e com "Grease" apenas confirmou sua popularidade. No começo dos anos 80, ele cometeu o cúmulo da breguice e mau gosto ao dançar besuntado em óleo em "Os embalos de sábado a noite continuam", e sua carreira quase foi para o brejo. Depois de vários filmes pequenos, ele voltou com tudo em "Pulp Fiction" e poucos anos depois ele cometeu o pior erro de sua carreira ao realizar o péssimo "A reconquista". Com muito esforço ele continua trabalhando em diversos projetos, na maioria pequenos, mas em "Hairspray" ele se superou e fez uma atuação digníssima de pelo menos indicação ao Oscar de ator coadjuvante (já é tempo de começar a fazer apostas!) ao interpretar a dona-de-casa obesa e extremamente simpática. Três décadas podem ter se passado, mas seu talento não mostra sinais de envelhecimento, comprovando que seu território é o canto e a dança.

Pode parecer questionável o fato de Travolta ter sido escolhido para o papel de Edna, mas em todas as encarnações de "Hairspray" essa personagem foi interpretada por um homem (Harvey Fierstein na versão da Broadway) ou um travesti (Divine, na versão cinematográfica de 1988). Só de ver Travolta coberto de maquiagem e parecendo uma mulher já proporciona boas doses de riso ao assistir o filme, e ao dançar, mesmo entupido de enchimento para parecer mais gordo, ainda parece o mesmo jovem de trinta anos atrás.

Praticamente todo o material publicitário mostra Travolta como atração principal, mas o destaque pra mim foi a personagem (e atuação, principalmente) de Michelle Pfeifer como vilã. Totalmente caricata, ela parece uma mistura de miss (título que ela orgulhosamente canta em determinada cena) e vilão de desenho da Disney, sendo hilária com suas trapalhadas e completamente ineficiente em seus planos absurdos. Suas falas e suspeitas beiram o absurdo, quando ela acusa Tracy de ser comunista apenas porque a jovem é pró-integração de brancos e negros. Igualmente merecedora de elogios é Nikki Blonsky que irradia a tela com sua alegria, com um sorriso que só poderia pertencer à Xuxa trabalhando na Disney. Quem não ficar com vontade de bater palmas enquanto ela caminha alegremente pelas ruas cantando "Good morning, Baltimore" ou não abrir um sorriso ao vê-la na loja de roupas de tamanhos especiais, necessita verificar seu nível de mau-humor.

"Hairspray" tem tudo que precisa para fazer sucesso: uma história bem divertida, um elenco de primeira e uma trilha sonora contagiante. Com tudo isso, meu sorriso permaneceu mais firme que os cabelos no filme.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA

O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952)
Dirigido por Cecil B. DeMile
Por Matheus Mocelin Carvalho

Para as gerações mais recentes, quando o circo é mencionado a primeira relação que deve ser feita é com os espetáculos pirotécnicos e acrobáticos de grupos como o Cirque Du Soleil. Para gerações passadas, as imagens relacionadas ao circo são de inocência e nostalgia: o grande espetáculo chegando à cidade, filas enormes de famílias agrupadas para terem a chance de ver um leão ou um tigre de verdade, crianças com a boca cheia de algodão doce e a grande lona abrigando palhaços e malabaristas. Apesar da atual decadência da arte circense, é este tipo de espetáculo que O Maior Espetáculo da Terra nos remete, de uma época onde o circo à moda antiga era uma grande atração. O filme foi dirigido pelo grande Cecil B. DeMille, conhecido por seus épicos grandiosos como Sansão e Dalila e Os Dez Mandamentos. Apesar de fugir do cenário bíblico de época, O Maior Espetáculo da Terra pertence à mesma categoria de filme espetáculo (como o próprio título diz) dos outros dois. De fato, ele foi popular o bastante na época para ganhar o Oscar de Melhor Filme de 1952, algo que hoje é considerado um dos maiores erros da Academia.

Acompanhado de uma pomposa narração feita pelo próprio DeMille, somos apresentados a uma equipe do circo Ringling Bros. and Barnum & Bailey. Brad Braden (Charlton Heston) é o durão gerente do circo que vive pelo seu trabalho (“Você tem serragem nas veias” lhe dizem). Ele convence os chefões do espetáculo que este deve se apresentar por uma temporada completa, para a alegria de seus integrantes. Entre estes encontramos Holly (Betty Hutton), a trapezista da equipe que tem um flerte amoroso com Brad, e o palhaço Buttons (James Stewart), que apesar de ser adorado por todos possui um passado misterioso. Brad comunica que, para aumentar a popularidade do circo, irá contratar o Grande Sebastian (Coronel Wilde), um trapezista cuja fama deve assegurar a venda de ingressos. Holly, que estava disposta a se apresentar no picadeiro central, não se agrada com a idéia de ter de dividir a atenção do público, se mostrando disposta a fazer de tudo para ser o núcleo dos aplausos. O que ela não contava é que ela iria cair sob o charme de Sebastian, e enquanto os dois travam uma batalha no picadeiro, Holly também tem que cuidar para não deixar Brad ser encantado por sua rival Angel (Gloria Grahame).

Com um enredo tão simples e em vezes até medíocre, é uma surpresa que O Maior Espetáculo da Terra também tenha ganhado o Oscar de Melhor História (precursor do prêmio de Melhor Roteiro Original). O melodramático triângulo amoroso parece ser apenas uma desculpa para unir todas as inumeráveis cenas de picadeiro, com os rasos personagens recebendo pouca atenção, especialmente o palhaço interpretado por James Stewart que tinha o potencial para se tornar o mais interessante deles. Charlton Heston aparece em seu primeiro papel de destaque e divide a atenção da heroína com o canastrão Coronel Wilde. Seu Brad Braden é o único personagem que parece realmente ser apaixonado pelo seu trabalho no circo – ainda que esta paixão seja mais de um ponto de vista administrativo e megalomaníaco do que artístico, e de uma condição do roteiro do que da atuação do ator. Quanto ao resto dos personagens, eles são apresentados como trabalhadores e esforçados, mas não existe entre eles a preocupação de criar a mágica e a ilusão do circo. Todos seus interesses parecem ser meramente interessados nos olhso do público (ao menos até os momentos finais), como Holly e seu desejo de ocupar o picadeiro central. Por não entrar ilustrar melhor tais detalhes e por fugir de mostrar a hierarquia entre os profissionais por trás da grande lona, O Maior Espetáculo da Terra falha ao tentar apresentar uma visão dos bastidores da vida circense.

Como já mencionado, a produção se destaca na categoria de “cinema espetáculo”, e sua maior intenção parece ser apresentar o circo na tela grande. Intercalado em meio ao ralo enredo (ou seria ao contrário) são diversas cenas em que vemos o mundo circense ganhar vida em “glorioso Technicolor”. Em uma enorme parada de cores e vestuários suntuosos, vemos trapezistas saltando sobre a platéia, carros alegóricos cruzando o picadeiro e até mesmo alguns números musicais. Feito em associação com o verdadeiro circo Barnum and Bailey, o filme se destaca no quesito de produção, dando uma autêntica ilusão de como era um espetáculo circense da época (ao menos um de alto orçamento). De fato, DeMille parece tão preocupado com a sedução visual que a maior parte da exagerada duração do filme (152 minutos) é gasta com tais cenas. Para criar alguma tensão nos momentos finais, um personagem surge do nada afim de alguns problemas para o grupo, mas tudo soa apenas como mais uma manobra calculada do roteiro.

Apesar de não ser um filme verdadeiramente ruim, o fato de ter ganhado o Oscar de Melhor Filme colocou O Maior Espetáculo da Terra na posição número um de várias listas de “piores filmes a terem ganhado o Oscar”. Ainda que tais afirmações sejam sempre discutíveis dependendo da ótica sob a qual o filme é analisado, a produção de DeMille é um deleite aos olhos como um picadeiro colorido, mas oco como uma lona vazia. Para melhores filmes ambientados no mundo circense, procure O Circo de Charles Chaplin, Monstros de Tod Browning ou até mesmo Dumbo de Walt Disney.