Dirigido por Curtis Hanson
Por Flávio Brun
Rosie Feller (Toni Collette) possui muitos sapatos. Seu closet parece uma seção de uma sapataria, pois, de acordo com ela, comprar sapatos é bom porque não ficam feios nela, que está alguns quilinhos acima do peso. Sua irmã Maggie (Cameron Diaz) acha que é um crime que tantos sapatos tão bonitos fiquem lá parados, e tenta fazer com que eles "aproveitem a vida". À primeira vista, essa sinopse dá a impressão de que este é apenas um clássico filme direcionado apenas ao público feminino e sem profundidade nenhuma, mas não o é.
O título original do filme, "In her shoes", se traduzido ao pé da letra seria "nos sapatos dela". E sapatos é o que não falta aparecer. São muitas as cenas em que a primeira parte da pessoa a aparecer são os sapatos, o que dá um certo ar de identidade ao filme além de ajudar a deixá-lo mais estilizado. Eles exercem um papel importante no filme, sendo usado diversas vezes como razão para as irmãs discutirem (qual a dupla de irmãs que nunca discutiu por uma usar o vestuário da outra?).
A vida de Rosie não é das mais agradáveis. Descontente com sua aparência e insegura por natureza, ela é a personificação da mulher independente: trabalha como advogada em uma grande empresa, tem sua estabilidade financeira, solteira e infeliz. Sua rotina é basicamente trabalho-casa-trabalho. Ocasionalmente se encontra com uma amiga (Brooke Smith), que muitas vezes acaba sendo sincera demais. Mais freqüentemente que o desejado, Rosie acaba tendo que "salvar" sua irmã de alguma encrenca - o começo do filme mostra uma dessas, em que Maggie fica bêbada e desmaia durante uma reunião de veteranos de sua escola. Como a vida amorosa de Rosie é quase nula, nas poucas situações em que ela consegue alguém para matar sua carência ela tira fotos, para se convencer de que o que aconteceu foi real.
Para contrastar com Rosie, sua irmã Maggie é totalmente dependente. Aos vinte e vários de idade (senão trinta e poucos) ainda mora com o pai (Ken Howard) e sua detestável madrasta (Candice Azzara), cujo único assunto é sua filha a qual se refere como "minha Marcia" e que expulsa Maggie após ela voltar bêbada para casa. Incapaz de permanecer em um emprego (uma das melhores risadas proporcionadas pelo filme é a explicação do motivo de ela ter perdido um dos empregos), Maggie vai morar com a irmã, que tenta de todas maneiras lhe conseguir um emprego, mas Maggie tem um problema: sua capacidade de raciocínio e leitura são muito abaixo do normal. Após algum tempo, o atrito entre as irmãs cresce de tal maneira que Rosie se vê obrigada a mandar a irmã para a rua e as duas se separam com uma grande dose de amargura de ambas as partes.
Para completar a galeria de personagens, há ainda a avó das garotas, Ella (interpretada pela já lendária Shirley MacLaine). Ella foi afastada das meninas após a morte intencional de sua filha, mãe das protagonistas, e perdeu o contato com as mesmas desde então e agora vive em um tipo de resort para idosos. Sem lugar para onde ir, Maggie descobre o paradeiro da avó e vai morar com ela, mas apenas por comodidade, e não afeição. Com o tempo, Maggie acaba descobrindo seu lugar e se transforma em uma pessoa totalmente diferente da vista no começo do filme, seguindo a tradição do cinema clássico de que os personagens quase sempre devem ter um arco de evolução.
O filme vencedor do Oscar de melhor filme de 1988, "Rain man", também tratava das relações de irmãos. Ambos os filmes tentam enfatizar as relações de fraternidade dos seus protagonistas, e conseguem com sucesso. "Em seu lugar" pode ser visto como uma visão mais açucarada e menos profunda de seu predecessor. Além disso, os pares de irmãos dos dois filmes seguem o mesmo padrão: um deles é independente (Tom Cruise, em "Rain Man") e o outro possui algum problema mental (Dustin Hoffman, no filme de 1988). Claro que ao passar para o universo feminino e em uma comédia, algumas coisas tiveram que ser atenuadas. O problema mental de Maggie é dislexia e QI baixo, enquanto o Raymond de "Rain Man" era autista.
Filmes que tentam enfatizar em relações familiares tendem a ser manipuladores em excesso e, felizmente, "Em seu lugar" consegue evitar bastante isso, mas não que esteja livre de seus problemas. Uma cena perto do fim do filme é o exemplo disso, mas provavelmente foi utilizada apenas para extrair uns "ooohhh" e "aaahhh" da platéia. Os vários pontos altos que "Em seu lugar" são os dramas de Maggie. Sua personagem é de longe a mais complexa, e responsável pela maior parte das reações ao filme. O relacionamento com sua avó, que começa frio e materialista, se torna afetivo e amigo com o passar do tempo. O senhor do asilo para quem Maggie lê, parece ter como único propósito explorar a fraqueza da garota e expandir seus horizontes, e também para justificar a cena do fim do filme mencionada anteriormente.
Além de uma história boa e relativamente bem contada, "Em seu lugar" também conta com atuações de peso por parte de todo o elenco. Cameron Diaz mosta aqui seu lado dramático e prova que seu talento não se limita apenas a comédias adolescentes e é capaz de comover e rir em um mesmo filme. Toni Collette, a Muriel de "O casamento de Muriel" e a mãe do menino assombrado por fantasmas de "O sexto sentido" volta em mais uma ótima interpretação, mostrando que não é só a boa aparência que faz uma boa atriz. A versatilidade dessa atriz chega a ser assombrosa, e é uma pena que ela não tenha o reconhecimento que seu talento merece. Shirley MacLaine já é uma lenda viva, com um histórico invejável de filmes aclamados ("Volta ao mundo em 80 dias", "Se meu apartamento falasse", "Laços de ternura") e serve para preencher o elenco feminino do filme. Os homens são peça quase descartável ao longo do filme, sendo que a história gira em torno das mulheres e suas relações, com os Adões da história servindo apenas como catalisador das reações e decisões das Evas.
Se encarado como um grande drama, esse é um filme modesto, porém se visto como um "filme de mulherzinha" (os famosos "chick flicks" nos Estados Unidos), este é um filme ambicioso. Definitivamente vale a pena assistir pelo ótimo desempenho de Cameron Diaz, que simplesmente rouba a cena, além é claro dos outros integrantes do elenco e da história simpática. Ao ser solicitado(a) a assistir um filme para o público feminino, se eu estivesse em seu lugar, eu escolheria este.
O título original do filme, "In her shoes", se traduzido ao pé da letra seria "nos sapatos dela". E sapatos é o que não falta aparecer. São muitas as cenas em que a primeira parte da pessoa a aparecer são os sapatos, o que dá um certo ar de identidade ao filme além de ajudar a deixá-lo mais estilizado. Eles exercem um papel importante no filme, sendo usado diversas vezes como razão para as irmãs discutirem (qual a dupla de irmãs que nunca discutiu por uma usar o vestuário da outra?).
A vida de Rosie não é das mais agradáveis. Descontente com sua aparência e insegura por natureza, ela é a personificação da mulher independente: trabalha como advogada em uma grande empresa, tem sua estabilidade financeira, solteira e infeliz. Sua rotina é basicamente trabalho-casa-trabalho. Ocasionalmente se encontra com uma amiga (Brooke Smith), que muitas vezes acaba sendo sincera demais. Mais freqüentemente que o desejado, Rosie acaba tendo que "salvar" sua irmã de alguma encrenca - o começo do filme mostra uma dessas, em que Maggie fica bêbada e desmaia durante uma reunião de veteranos de sua escola. Como a vida amorosa de Rosie é quase nula, nas poucas situações em que ela consegue alguém para matar sua carência ela tira fotos, para se convencer de que o que aconteceu foi real.
Para contrastar com Rosie, sua irmã Maggie é totalmente dependente. Aos vinte e vários de idade (senão trinta e poucos) ainda mora com o pai (Ken Howard) e sua detestável madrasta (Candice Azzara), cujo único assunto é sua filha a qual se refere como "minha Marcia" e que expulsa Maggie após ela voltar bêbada para casa. Incapaz de permanecer em um emprego (uma das melhores risadas proporcionadas pelo filme é a explicação do motivo de ela ter perdido um dos empregos), Maggie vai morar com a irmã, que tenta de todas maneiras lhe conseguir um emprego, mas Maggie tem um problema: sua capacidade de raciocínio e leitura são muito abaixo do normal. Após algum tempo, o atrito entre as irmãs cresce de tal maneira que Rosie se vê obrigada a mandar a irmã para a rua e as duas se separam com uma grande dose de amargura de ambas as partes.
Para completar a galeria de personagens, há ainda a avó das garotas, Ella (interpretada pela já lendária Shirley MacLaine). Ella foi afastada das meninas após a morte intencional de sua filha, mãe das protagonistas, e perdeu o contato com as mesmas desde então e agora vive em um tipo de resort para idosos. Sem lugar para onde ir, Maggie descobre o paradeiro da avó e vai morar com ela, mas apenas por comodidade, e não afeição. Com o tempo, Maggie acaba descobrindo seu lugar e se transforma em uma pessoa totalmente diferente da vista no começo do filme, seguindo a tradição do cinema clássico de que os personagens quase sempre devem ter um arco de evolução.
O filme vencedor do Oscar de melhor filme de 1988, "Rain man", também tratava das relações de irmãos. Ambos os filmes tentam enfatizar as relações de fraternidade dos seus protagonistas, e conseguem com sucesso. "Em seu lugar" pode ser visto como uma visão mais açucarada e menos profunda de seu predecessor. Além disso, os pares de irmãos dos dois filmes seguem o mesmo padrão: um deles é independente (Tom Cruise, em "Rain Man") e o outro possui algum problema mental (Dustin Hoffman, no filme de 1988). Claro que ao passar para o universo feminino e em uma comédia, algumas coisas tiveram que ser atenuadas. O problema mental de Maggie é dislexia e QI baixo, enquanto o Raymond de "Rain Man" era autista.
Filmes que tentam enfatizar em relações familiares tendem a ser manipuladores em excesso e, felizmente, "Em seu lugar" consegue evitar bastante isso, mas não que esteja livre de seus problemas. Uma cena perto do fim do filme é o exemplo disso, mas provavelmente foi utilizada apenas para extrair uns "ooohhh" e "aaahhh" da platéia. Os vários pontos altos que "Em seu lugar" são os dramas de Maggie. Sua personagem é de longe a mais complexa, e responsável pela maior parte das reações ao filme. O relacionamento com sua avó, que começa frio e materialista, se torna afetivo e amigo com o passar do tempo. O senhor do asilo para quem Maggie lê, parece ter como único propósito explorar a fraqueza da garota e expandir seus horizontes, e também para justificar a cena do fim do filme mencionada anteriormente.
Além de uma história boa e relativamente bem contada, "Em seu lugar" também conta com atuações de peso por parte de todo o elenco. Cameron Diaz mosta aqui seu lado dramático e prova que seu talento não se limita apenas a comédias adolescentes e é capaz de comover e rir em um mesmo filme. Toni Collette, a Muriel de "O casamento de Muriel" e a mãe do menino assombrado por fantasmas de "O sexto sentido" volta em mais uma ótima interpretação, mostrando que não é só a boa aparência que faz uma boa atriz. A versatilidade dessa atriz chega a ser assombrosa, e é uma pena que ela não tenha o reconhecimento que seu talento merece. Shirley MacLaine já é uma lenda viva, com um histórico invejável de filmes aclamados ("Volta ao mundo em 80 dias", "Se meu apartamento falasse", "Laços de ternura") e serve para preencher o elenco feminino do filme. Os homens são peça quase descartável ao longo do filme, sendo que a história gira em torno das mulheres e suas relações, com os Adões da história servindo apenas como catalisador das reações e decisões das Evas.
Se encarado como um grande drama, esse é um filme modesto, porém se visto como um "filme de mulherzinha" (os famosos "chick flicks" nos Estados Unidos), este é um filme ambicioso. Definitivamente vale a pena assistir pelo ótimo desempenho de Cameron Diaz, que simplesmente rouba a cena, além é claro dos outros integrantes do elenco e da história simpática. Ao ser solicitado(a) a assistir um filme para o público feminino, se eu estivesse em seu lugar, eu escolheria este.