Dirigido por Vincente Minnelli
Por Flávio Brun
Paris: nenhuma outra cidade no mundo seria tão adequada para servir de cenário para um filme visualmente estonteante, e foi a escolha perfeita para o grande musical de 1951 do diretor Vincente Minnelli. A cidade-luz esbanja charme, elegância e romantismo nessa belíssima produção, mesmo que a Paris usada esteja localizada nos estúdios da MGM.
A importância histórica de "Sinfonia de Paris" não pode ser ignorada. Apesar de simples, e por vezes até sem graça, ainda assim o filme foi responsável por uma revolução na forma de se fazer musicais na época. Em 1948, o filme inglês "Os sapatinhos vermelhos" inovou ao apresentar um balét de quinze minutos no meio da narrativa, e três anos mais tarde, "Sinfonia de Paris" incorporou a idéia de um grande número musical ao cinema estadunidense, ao pôr um espetáculo de dança grandioso (com dezesseis minutos!) como forma de encerramento do filme. A idéia deu tão certo que veio a ser usada em praticamente todos os musicais da década como, por exemplo, o fantástico "Broadway Mellody" de "Cantando na chuva", entre inúmeros outros.
O responsável pela criação do número símbolo do filme foi Gene Kelly, talvez o maior dançarino que as telas do cinema já viram. Seu estilo de dança é tão fluido que chega a nos dar a impressão de que sair dançando em meio às ruas é algo natural de se fazer. Tão bem sucedida foi a inserção do balé ao fim da película que rendeu inúmeros prêmios à produção, incluindo o Oscar de melhor filme, e um prêmio honorário a Gene Kelly por sua contribuição à sétima arte na área de dança - merecidíssimo, pois como mencionado anteriormente, seu trabalho aqui estabeleceu um padrão na forma de se fazer musicais.
Apesar da importância histórica, esse não é um filme perfeito, muito pelo contrário, sendo que o principal defeito se encontra na história em si - vazia e por muitas vezes desinteressante. Os personagens são pouco explorados e bastante estereotipados. Jerry Mulligan é o típico personagem de Gene Kelly: soldado, alegre e sempre cantando e dançando. Lise Bouvier (personagem de Leslie Caron) é a francesa charmosa e inocente que despropositalmente rouba o coração de Jerry, que não sabe que ela está para se casar com Henri Buriel (Georges Guetary), um amigo de Mulligan. Um dos poucos personagens interessantes é Milo Robers (Nina Foch), uma milionária que resolve dar uma ajuda monetária a Jerry, mas politicamente correta a ponto de não pedir (explicitamente) nada em troca. A história é simples (até demais) e subdesenvolvida no filme, servindo apenas de cabide para um grupo de canções e danças, sendo que poucas delas são memoráveis e bastante descartáveis. Ao término do filme, ficamos encantados com o grande balé, que não tem um significado importante para a narrativa, mas que ainda assim encanta, porém logo a seguir, na conclusão da história, o destino dos personagens toma um rumo tão implausível que é difícil crer que está acontecendo, apesar de estar diante de nossos olhos. Além do mais, Milo é totalmente esquecida na conclusão. O resultado é sairmos boquiabertos: pela dança e pelo encerramento irreal.
Mesmo com tantos defeitos narrativos, ainda assim há alguns pontos interessantes. A forma de apresentação dos personagens no começo do filme é bem criativa, com eles próprios dando suas descrições. Como diz o velho ditado, "conhece-te a ti mesmo que eu me conheço bem". Outro ponto positivo é a presença sempre marcante de Gene Kelly. Ele pode não ser o mais talentoso dos atores, mas seu carisma e talento na sua área compensam a falta de poder dramático.
A escolha de Leslie Caron, entretanto, não foi a mais acertada para o papel. Lise é para ser uma jovem linda, capaz de fazer os homens caírem a seus pés à primeira vista, porém Leslie é apenas charmosinha, e não tem o sex appeal que a personagem necessitava. Não que a atriz ideal seja um sex symbol como Marilyn Monroe, e sim alguém mais visualmente atraente que Caron.
Como sempre, o Oscar é uma premiação controversa, e é impossível agradar a todos. No ano de 1951, o grande vitorioso foi "Sinfonia de Paris", com seis estatuetas (o filme "Um lugar ao sol" recebeu o mesmo número de Oscar naquele ano). O fator merecimento é questionável, principalmente se analisarmos os concorrentes ao prêmio daquele ano. Os principais eram "Uma rua chamada pecado" e "Um lugar ao sol", e ambos eram mais aptos a saírem vitoriosos que "Sinfonia de Paris". "Uma rua chamada pecado" possuía o que o vencedor não tinha: uma trama elaborada, com um roteiro magnífico e poderosas atuações de todo o elenco, e o mesmo se aplica a "Um lugar ao sol". O único diferencial de "Sinfonia de Paris" se encontra em aspectos técnicos, como a bela fotografia no glorioso Technicolor (os outros dois concorrentes mencionados foram filmados em preto e branco), a perfeição visual de cada tomada característica dos filmes de Minnelli além, é claro, do tão mencionado número musical que revolucionou o cinema musical da época.
Praticamente todas as boas idéias de "Sinfonia de Paris" estão presentes em outros filmes superiores, porém é válido assisti-lo como marco histórico e um ponto de referência em matéria de como se faz um número musical. Para ver Gene Kelly em sua melhor forma, assista "Cantando na chuva". Para ver um belo musical de Minnelli, o recomendado é "A roda da fortuna". Mas se o tempo for curto e quiser unir bons aspectos de ambos, o recomendado é "Sinfonia de Paris". O resultado pode não ser tão satisfatório, mas no geral, diverte.